Entidades lançam manifesto da Saúde, Educação e Assistência Social

A Contee e mais de 70 entidades das áreas de educação, saúde e assistência social divulgaram documento propondo princípios e diretrizes para garantir o direito à educação, com proteção integral de crianças e adolescentes, condições de segurança sanitária para os trabalhadores e proteção da vida de cidadãos e cidadãs do Brasil.

O texto afirma: “Nos campos da educação e da proteção social, situações concretas e desiguais das unidades de ensino e de assistência social, em termos de infraestrutura, insumos, recursos e pessoal, são obstáculos reais para cumprir os protocolos exigidos para uma retomada segura das atividades educacionais e de proteção social de famílias e trabalhadores da assistência social, saúde e educação”.

MANIFESTO SAÚDE, EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL EM DEFESA DA VIDA E DA DEMOCRACIA

INTERSETORIALIDADE SAÚDE-EDUCAÇÃO-ASSISTÊNCIA SOCIAL NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA

Neste momento, o Brasil passa por grave crise sanitária decorrente da segunda onda da Pandemia da Covid19, cujos impactos afetam desigualmente seus cidadãos e cidadãs e alimentam crises econômica, social, política, cultural e educacional. Face aos efeitos perversos da inércia, incompetência e deliberada inoperância do governo federal, ampla mobilização social e política torna-se necessária e imperativa, para fortalecer alianças na sociedade civil, construir consensos, acordar bandeiras e apontar caminhos.

Este documento tem o objetivo de apresentar o posicionamento, perante essa situação, de instituições nacionais e regionais das áreas de educação, saúde e assistência social unidas na Frente pela Vida. Nesse sentido, elabora uma visão da conjuntura, propõe princípios e diretrizes e indica caminhos para garantir o direito à educação, com proteção integral de crianças e adolescentes, condições de segurança sanitária para os trabalhadores e proteção da vida de todos os cidadãos e cidadãs do Brasil.

Os impactos da crise sanitária decorrentes da pandemia não se restringem à área da saúde. Incluem, entre outras a educação e a assistência social desdobrando-se na falta de políticas públicas intersetoriais, agravando a brutal desigualdade já existente no país. As restrições impostas pela EC 95/2016, que instituiu o teto de gastos nos orçamentos da saúde, da educação e da assistência social, associadas às reformas trabalhista e previdenciária e à precarização do trabalho, reduzem a rede de proteção social. Crise econômica, desemprego, impõem às camadas mais pobres e vulnerabilizadas da população a busca de atividades que gerem renda.

Nesse cenário de sofrimento a todos imposto, ocorre aumento de fome, trabalho infantil, abuso e violência doméstica, distúrbios psicológicos de crianças, adolescentes e jovens, agravando condições pré-existentes de iniquidades e carências, com perdas de vidas humanas, de renda, de condições de sobrevivência e de referências. As ações e iniciativas que têm sido desenvolvidas por diferentes setores da sociedade civil e dos movimentos sociais, em defesa da vida, buscam impedir o agravamento desse quadro trágico que o país atravessa.

Nos campos da educação e da proteção social, situações concretas e desiguais das unidades de ensino e de assistência social, em termos de infraestrutura, insumos, recursos e pessoal, são obstáculos reais para cumprir os protocolos exigidos para uma retomada segura das atividades educacionais e de proteção social de famílias e trabalhadores da assistência social, saúde e educação. Tendencialmente, as autoridades vêm tomando decisões centralizadas, uniformizadas, sem levar em conta territorialidade, intersetorialidade, efetividade e equidade, levando ao esvaziamento da gestão democrática e participativa das instituições educativas e dos sistemas de saúde e de assistência social, inviabilizando a garantia dos direitos à Vida, à Saúde e à Educação.

Para encaminhar soluções no enfrentamento de tão grave situação, propomos quatro princípios, orientados pela ação intersetorial:

  1. Avaliar a situação epidemiológica – Considerar o estágio dos indicadores da pandemia, se em ascensão, estabilidade ou descenso. Em locais e momentos em que as taxas de incidência e mortalidade estão em crescimento, os riscos de sofrimento, incapacitação e morte por Covid-19 excedem os riscos dos efeitos nocivos sobre o desenvolvimento infantil e sobre a saúde física e mental, secundários às medidas de controle social da pandemia, como por exemplo o fechamento de instituições educativas. Em situações de estabilidade ou decréscimo dos indicadores epidemiológicos, as consequências nocivas dessas medidas superam os riscos diretos decorrentes da coronavirose.
  2. Considerar a territorialidade – A segurança sanitária não deve se pautar por protocolos únicos, padronizados e gerais. Avaliar as condições de cada contexto local para adequar estratégias e medidas para garantir o direito à educação. Abertura das instituições educativas e outros serviços públicos que atendem crianças e adolescentes não deve obedecer a padrões únicos, visto que são distintas as condições das pessoas, dos territórios, como bairros e comunidades, bem como das próprias escolas e dos demais serviços públicos.
  3. Respeitar a especificidade – Há necessidade de observar a especificidade pedagógica e curricular em relação à modalidade, condições, etapas e nível de cada unidade educativa dentro do sistema nacional de educação. O risco de contágio, infecção, complicação ou óbito por Covid-19 é bastante diferente por faixa etária e por situação de segurança ambiental; e há potencial dano social das medidas de controle da pandemia.
  4. Garantir a equidade – Assegurar ampla isonomia na construção de soluções, com respeito à intersetorialidade e à diversidade social, racial, étnica, cultural, sexual, geracional e de gênero. Além das condições extraescolares, deve-se superar as condições materiais desiguais das unidades de ensino, bem como das redes de saúde e de assistência social, em termos de acesso, acessibilidade, infraestrutura, insumos e contingente de trabalhadores para cumprir os protocolos exigidos para a retomada presencial segura.

A intersetorialidade constitui a estratégia metodológica fundamental, a ser tomada como integradora e transversal entre os quatro princípios. Esses princípios se concretizam na aplicação das seguintes diretrizes:

  • Implantar comitês técnico-científicos consultivos, com representação de comunidades escolares e organismos da sociedade civil, para encaminhamento de soluções e medidas de controle da pandemia nos ambientes escolares e serviços de assistência social.

Verificar se a pandemia apresenta indicadores de transmissão comunitária controlada, a partir da relevância epidemiológica, com base em informação transparente e consistente.

  • Considerar o âmbito administrativo de atuação: Município, Região (consórcio municipal), Estado.
  • Garantir, por meio da gestão democrática, metodologias e condições de plena participação de todos os segmentos e setores envolvidos;

Adequar as medidas de proteção à especificidade de cada etapa e nível educacional: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio/profissionalizante, Ensino Superior e a todas as modalidades de ensino como Educação Especial, Educação do Campo, Indígena, Quilombola e Educação de Jovens e Adultos.

  • Priorizar as faixas etárias mais vulneráveis aos efeitos psicossociais da redução de interação social decorrentes das medidas de controle da pandemia, com impacto no desenvolvimento psicopedagógico de estudantes (Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental), bem como para a educação escolar de populações social e historicamente vulnerabilizadas.
  • Reconhecer que o atendimento na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental são serviços prioritários de proteção ao Direitos Fundamentais das crianças.
  • Criar mecanismos de cooperação e coordenação intersetoriais (municipais e locais) com a participação dos trabalhadores das áreas da educação, saúde, assistência social, dentre outras.
  • Considerar orientações pedagógicas e curriculares específicas para a modalidade da Educação Especial na perspectiva da inclusão educacional, incluindo o atendimento educacional especializado como parte do direito à Educação.
  • Atender populações que têm sofrido redobrado impacto da pandemia (indígenas, quilombolas, comunidades remotas, povos das águas e das florestas), priorizando programas de educação do campo, educação escolar indígena e educação escolar quilombola.
  • Garantir condições de acesso às tecnologias educacionais para o desenvolvimento do ensino remoto ou híbrido, onde e quando for necessário.

Assegurar ampla participação dos profissionais das áreas de educação, saúde e assistência social e das suas instituições representativas (sindicatos, associações, confederações, etc.) para a formulação intersetorial de ações de enfrentamento e superação das crises decorrentes da Pandemia da Covid-19.

As instituições educativas precisam ser entendidas como equipamentos públicos e espaços de políticas intersetoriais que agregam educação, saúde e assistência social, com atenção aos Direitos Humanos e acolhimento das demandas das comunidades escolares e movimentos sociais nos territórios. Ao tomar a participação/mobilização dos usuários e familiares dos serviços da saúde, da assistência social, da comunidade escolar como simultaneamente princípio e ação, deve-se ampliar o processo de escuta qualificada de trabalhadores da educação, do SUS – Sistema Único de Saúde e do SUAS – Sistema Único de Assistência Social.

Para as entidades de saúde, educação e assistência social, o enfrentamento da Pandemia da Covid-19 deve atender à complexidade e gravidade do problema. É imperativo que os órgãos de Estado cumpram suas responsabilidades constitucionais. O conjunto de conhecimentos, tecnologias e experiências e a capacidade institucional construída em décadas de implementação de políticas públicas no país e com gestão democrática e participativa oferecem caminhos para superar as crises da Pandemia da Covid-19.

No momento atual, face à emergência e intensidade do recrudescimento da pandemia, deve-se IMPLEMENTAR FECHAMENTO TOTAL E RIGOROSO de todas as atividades com potencial de transmissão viral em todas as regiões do país onde houver crescimento das curvas epidêmicas.

Além disso, é urgente implementar as necessárias MEDIDAS DE PROTEÇÃO SOCIAL PARA TODA A POPULAÇÃO VULNERABILIZADA, particularmente restaurando as modalidades de auxílio emergencial, condição essencial para o sucesso das estratégias de controle e mitigação de danos da pandemia.

QUANDO AS CURVAS EPIDÊMICAS FOREM REDUZIDAS DE FORMA SUSTENTADA, alcançando indicadores de transmissão comunitária controlada, será necessário, em todos os territórios, regiões e lugares em que isso ocorra:

  1. Ter ampliado a cobertura da vacinação da população e vacinado TODOS OS TRABALHADORES DA LINHA DE FRENTE das redes de educação infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental;
  2. manter ABERTA E ATIVA A REDE PÚBLICA DE ENSINO, com atividades presenciais na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que não reduzam os currículos ao ensino nem as instituições educativas à aula, iniciando pelos programas de educação do campo, educação escolar indígena e quilombola, em horários reduzidos e regimes escalonados, sempre que possível ao ar livre, seguindo todos os protocolos e medidas de proteção sanitária;
  3. implementar VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA E SOCIOASSISTENCIAL a partir das escolas, articulando as redes de Atenção Primária em Saúde e unidades/programas de assistência social, com testagem rotineira de trabalhadores integrantes da comunidade escolar que atuam na linha de frente, com isolamento de casos confirmados e suspeitos, assim como rastreamento e quarentena de contatos;
  4. realizar BUSCA ATIVA E ACOMPANHAMENTO de alunos e famílias, principalmente beneficiários dos programas Bolsa Família e BPC na Escola, articulando as áreas de Educação, Saúde e Assistência Social;
  5. promover a PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE em todas as ações, fortalecendo as redes intersetoriais supracitadas, realizando processos educativos para multiplicadores, organizações e coletivos em cada território, com disponibilização de dados epidemiológicos nacionais e locais atualizados.
  6. Manter preferencialmente, no ensino médio e na educação superior, ATIVIDADES REMOTAS por meio de estratégias pedagógico-curriculares adequadas, compatíveis às necessidades dos estudantes e, sobretudo, com qualidade-equidade.
  7. Garantir, por ação coordenada entre União, Estados e Municípios, recursos tecnológicos e conectividade para que instituições educativas, estudantes, professores e demais profissionais da educação participem das atividades remotas.

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