Reforma do Ensino Médio: do inútil ao desagradável

Mal terminaram as Olimpíadas e Paralimpíadas e o governo federal já marcou um gol contra a educação. No dia 22 de setembro foi anunciada a Medida Provisória que muda o Ensino Médio. Sem qualquer debate com a sociedade e com os educadores, o governo tenta impor, dentre outras medidas, o fim da obrigatoriedade das disciplinas Inglês, Educação Artística e Educação Física e do ensino médio noturno para menores de 18 anos.

Por muitas razões, nós do Sinproep somos contra a reforma anunciada. O governo quer aumentar a carga horária anual mínima da etapa escolar de 800 para 1400 horas, progressivamente, a partir de 2017. Também institui um currículo flexível, em que o aluno pode cursar disciplinas optativas com ênfase em áreas específicas em pelo menos metade do currículo. Quer, ainda, tempo integral em todas as escolas, com no mínimo 7 horas diárias. Mas não ataca os problemas estruturais da educação nacional, como o baixo investimento per capita e a desvalorização profissional dos professores.

Um olhar atento sobre o teor da medida mostra que se trata de lamentável retrocesso. Com uma canetada, o presidente Temer desrespeita os milhões de profissionais de educação, os militantes que participam de fóruns e instâncias de debate e os estudantes que, nas ruas, pedem uma escola democrática com ensino de qualidade. Com isso, piora, ao invés de melhorar, o caótico Ensino Médio nacional. Os dados falam por si. O desempenho dos alunos está abaixo do desejável, há uma evasão histórica e 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da escola. Porém, lastimavelmente, a MP limita o crescimento nos gastos correntes, ceifando novos investimentos em educação por 20 anos. Fica a pergunta: é séria uma reforma que não cria, de fato, mecanismos eficientes para atrair professores para uma jornada de 40h semanais quando, em alguns estados, se paga por isso pouco mais de R$ 2 mil? Ironicamente, o governo proclama que quer recuperar o status da carreira docente e torná-la mais atrativa por meio do aumento de salário. Acredite quem quiser!

Segundo a direção da Contee, as mudanças anunciadas são um verdadeiro golpe. Para a confederação, é “impossível não se espantar como um governo como esse, impopular e ilegítimo, atreve-se a legislar, por medida provisória, sobre algo tão importante e fundamental quanto a educação”. Essa proposta de reforma, gestada no gabinete do privatista ministro da Educação, se baseou no Projeto de Lei 6840, que tramita no Congresso Nacional desde 2013 e vinha sendo questionado por especialistas em Educação.  Sem ouvir a população, o Governo Temer une o inútil ao desagradável. Sob o discurso de modernizar o sistema educacional, o MEC tenta ressuscitar uma das mais mal-sucedidas mudanças educacionais da história brasileira: a Reforma Capanema, implantada na ditadura do Estado Novo. O fato de um modelo semelhante estar sendo adotado após um golpe político não é mera coincidência.

Na verdade, o governo sustenta a tese de que a reforma dará ao estudante a liberdade de escolher se quer priorizar o estudo das áreas do conhecimento ou o ensino profissional, como se aí houvesse uma dicotomia. É uma falácia, pois a MP não assegura que a rede de ensino dará condições para que se cumpra a vontade do corpo discente.

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Além de prejudicar os estudantes, a MP ameaça o direito dos trabalhadores. Aumenta a carga horária, mas não trata de questões como a valorização dos profissionais da educação, do número de alunos por sala e das dificuldades reais que os estudantes possuem em somente estudar. A MP não cria nenhuma bolsa para que esses alunos possam se manter em tempo integral na escola. Não leva em conta, portanto, que muitos deles abandonam a escola porque precisam trabalhar.

Ao propor a extinção de disciplinas fundamentais como filosofia e a sociologia, o governo nada na contramão do que foi  aprovado no Plano Nacional de Educação. Não bastasse tudo isso, a iniciativa do governo também é um retrocesso no que tange à necessidade dos professores serem formados na  área em que ensinam, ao criar a possibilidade do magistério ser exercido por “notório saber”, permitindo ao professor lecionar mesmo sem ter licenciatura na área. Na prática, abre-se caminho para os “professores temporários”, que dão aula de sobre qualquer coisa mesmo sem formação específica.

Por fim, quando o MEC cria o tempo integral sem dizer como as redes irão se organizar, o que sobra é uma lacuna: ninguém sabe para onde vai a educação brasileira. E não é tarde pra lembrar que a Base Nacional Comum Curricular ainda está em debate, e isso é que vai definir as diretrizes pedagógicas que devem nortear o ensino infantil e básico, incluindo o ensino médio, sem desconfigurá-lo. Por isso, é importante que os sindicatos e centrais sindicais se mobilizem para que o Congresso Nacional derrube essa medida provisória antes que seus efeitos malignos nocauteiem o já combalido ensino médio nacional.

Leia a íntegra da MP: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm